segunda-feira, 9 de maio de 2011

O ESPAÇO DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL DENTRO DA SALA DE AULA

O presente artigo pretende levantar um panorama histórico da literatura infantil a princípio no exterior, depois no Brasil, desde os seus primeiros registros até as décadas mais recentes, quando se consolidou como parte respeitável da obra literária brasileira; pois se acredita que um olhar sobre a Literatura Infantil Brasileira é uma reflexão para o educador, para suas vivências dentro ou fora da sala de aula.


Segundo Zilbermam e Lajolo (1999), foi na França do século XVII que surgiram algumas histórias que foram lidas para as crianças, as quais são as Fábulas de La Fontaine, obras de Fénelom e de Charles Perrault.
As mudanças provocadas pela Revolução Industrial no século XVIII, substituíram antigas estruturas econômicas, políticas, sociais e familiares por outras, como a migração das pessoas do campo para a cidade, a busca de emprego nas fábricas, e a tentativa de consolidar a família, como uma instituição a seu favor, aceitando essas mudanças e consolidando-as. Assim, os papeis dos pais ficaram estabelecidos, o pai como o provedor por meio do seu trabalho na indústria, a mãe como a organizadora da casa e a criança ganhou um novo olhar, o de preservação da infância.
                                               “A criança passa a deter um novo papel na sociedade, motivando o aparecimento de objetos industrializados (o brinquedo) e culturais (o livro) ou novos ramos da ciência (a psicologia infantil, a pedagogia ou a pediatria) de que ela é destinatária.” (Zilbermam e Lajolo, 1999: p.17)

            De acordo com Zilbermam e Lajolo (1999) outra instituição que veio reforçar os ideais da burguesia, foi a escola, tendo como justificativa que devido a fragilidade das crianças elas deveriam ir a escola para se preparar para o mundo que dentro em poucos anos enfrentariam. Assim, a escola se colocou como mediadora entre a família e a sociedade para a criança.
            Com isto a escola se abriu para todas as classes sociais, não só a burguesia, retirando do mercado de trabalho as crianças, deixando vagas para os trabalhadores que vinham do campo e estavam desempregados, os quais já apresentavam alguns problemas de desordem dentro da nova sociedade, agora burguesa.
           
“Numa sociedade que cresce por meio da industrialização e se moderniza em decorrência dos novos recursos tecnológicos disponíveis, a literatura infantil assume, desde o começo, a condição de mercadoria.” (Zilbermam e Lajolo, 1999:p.18)

            A escola tinha a função, então, de levar as crianças a ler para poderem “consumir” o objeto de leitura, o livro. E a burguesia passou a utiliza-lo como uma forma de disseminar seus ideais.
            Desde então a literatura infantil, começou a receber alguns traços, da doutrinação do adulto, sempre querendo transmitir e ensinar algo a criança; ou ainda com o adulto tentando mostrar para a criança um mundo ideal, um ambiente perfeito sendo um recurso escapista, que fugia da realidade.
            No século XIX, deve-se a edição da coleção de contos de fadas dos irmãos Grimm, em 1812 e partir de então as obras para crianças passaram a ter uma definição mais específica, como a preferência por histórias fantásticas; depois surgiu Contos (1833) de Hans Christian Andersen, Alice no país das maravilhas (1863) de Lewis Carroll, Pinóquio (1883) de Collodi. Posteriormente o cotidiano da criança como um espaço de ação foi um dos temas abordados. Foram estes autores da segunda metade do século XIX que reforçaram a cultura burguesa por meio da literatura infantil.
            Quando se começou em falar em literatura infantil no Brasil a Europa já havia construído e consolidado parte da sua história literária infantil.
            No Brasil a produção literária infantil surgiu quase no século XX, embora alguns autores tenham escrito textos para crianças antes disto no século XIX, é só a partir daquela data que se tem registro mais claros sobre o tema. Foi com a proclamação da República que o país começou a apontar ares de modernização, valorização do mercado interno, urbanização e produção literária.
            De acordo com Zilbermam e Lajolo (1999) foi nesse Brasil modernizado que se valorizou a instrução, a alfabetização, e diferentes grupos sociais surgiram, dentre os quais aqueles que começaram a se interessar pela leitura. O país passou a buscar uma literatura infantil nacional, já que havia muitas críticas quanto ao que se lia nas escolas. Escritores e editores passaram a se dedicar a essa produção, infantil e escolar, sendo que as obras estrangeiras traduzidas predominavam o setor neste período.
Os livros traduzidos para o português, vinham para o Brasil sem a adaptação para os pequenos leitores brasileiros, tornando os textos confusos e sem compreensão devido ao vocabulário diferenciado de Portugal. Assim, foram surgindo programas interessados em nacionalizar este acervo estrangeiro que se encontrava no país.
O primeiro período da literatura infantil brasileira foi marcado pelas produções das obras que ressaltavam o patriotismo, o civismo, a exaltação da natureza brasileira, a imagem de um país agrário, repleto de felicidade e de riqueza por intermédio da agricultura; havia uma preocupação com a escrita correta da língua portuguesa, chegando a ser um símbolo pátrio, assim como a bandeira e o hino. A maior parte dessa literatura possuía um enfoque escolar.
Mesmo as obras que revelavam figuras e aspectos do folclore brasileiro, a linguagem popular e alguns temas foram suprimidos por serem considerados impróprios para o meio educativo.
Opondo-se a aquele olhar romântico do país agrário, outros autores surgiram como Monteiro Lobato.
Lobato foi um dos escritores brasileiros que se dedicou a literatura infantil, após se consolidar como escritor de literatura não-infantil, dizia que havia uma necessidade de escrever histórias para crianças numa linguagem que as interessasse, assim em 1921 publicou Narizinho Arrebitado¸ tanto foi sua aceitação que chegou a ser adotado nas escolas públicas do estado de São Paulo. Posteriormente, fundou editoras onde acabou publicou seus próprios livros, em 1944 lançou sua última obra bi Brasil, Os doze trabalhos de Hercules.
Aproveitando suas obras do Sítio do Pica-Pau Amarelo, Lobato deixou nítido seus ideais sobre o país, criticando o Brasil agrário, defendendo novas descobertas, o sítio se tornou o próprio Brasil para Lobato por meio daquele transmitiu tudo que gostaria que nele estivesse embutido.
Estas mudanças que estavam acontecendo no país tanto na área artística como na industrial recebeu a classificação de modernista. Depois de Lobato surgiam outros escritores que se dedicaram a literatura infantil no Brasil, inaugurando um novo período, o pós-modernista. Entre estes dois períodos, a literatura infantil se fortaleceu, os escritores escreveram mais livros para as crianças e as editoras passaram a aumentar suas publicações.
            Na década de 30 apareceram mais autores abordando diferentes temas como o folclore, histórias populares, histórias de aventuras, livros didáticos, predominando as obras de ficção, com poucas obras de poesias.
Com o modernismo, esperava-se que a literatura infantil se abrisse mais para o folclore, mas houve a permanência da tradução das histórias estrangeiras de tradição oral, com adaptações, cortes, e explicações para facilitar a compreensão das crianças.
            As mudanças sociais e econômicas que ocorreram no país nesse período favoreceram o fortalecimento do mercado editorial de livros infantis, a classe média se consolidou por causa da industrialização e da modernização, surgindo maior número de consumidores, houve um aumento da escolarização dos grupos urbanos, com a revolução modernista houve uma valorização maior da arte e da literatura. Ao final do modernismo, já havia no país um acervo consistente da literatura infantil.
            A literatura infantil também teve importância política, durante o governo Vargas propagou ideais nacionalistas que vinham da literatura não-infantil, de um modo bem nítido; buscou trabalhar o folclore e as tradições orais do povo, sendo educativa e bem comportada. Os pontos marcantes da literatura infantil dessa época foram: o nacionalismo, exploração da cultura popular e tendência pedagógica; deixando a imaginação sufocada, mas não a anulando de todo, ficaram algumas brechas para a fantasia e uma possível reflexão crítica da realidade.
Entre as décadas de 30 e 40 foram surgindo vários autores que se dedicaram a escrever obra de perfil didático (higiene, costumes regionais, alimentação, ciências sociais...). Um outro conjunto de obras era de orientação formadora e educativa tanto política como religiosa, deixando explicito suas posições e conceitos. Assemelhando ao que acontecia no início do século.
Uma grande quantidade de textos produzidos nesse período se aproximou do que foi elaborado no início da literatura infantil no país, marcada pelo patriotismo, dados históricos e folclóricos sem contexto.
Quase consolidado este gênero da literatura, aos poucos foi ganhando corpo escolar, especialmente entre as décadas de 30 e 40 quando a escolarização tornou-se obrigatória e o governo utilizou-a para transmitir seus ideais políticos, como o patriotismo e o nacionalismo.
Foi nessa época também que as conquistas de criação (personagens, espaço e tempo) das histórias se consolidaram. A linguagem se modificou, afastando dos padrões cultos e aproximando da oralidade, com o intuito de criar um texto onde a transmissão da mensagem fosse real.
Pode-se constatar que houve uma grande quantidade de livros de literatura infantil até então no Brasil, porém a maioridade sem qualidade, frutos de traduções adaptações e imitação de histórias estrangeiras; as histórias escritas por autores brasileiros não eram consideradas boas. Mas o mercado havia sido lançado, o novo desafio era mantê-lo.
Cada vez mais editoras e escritores brasileiros dedicaram se a esta arte. Entre as décadas de 40 e 60, houve a marca da profissionalização do setor, com produção intensa e fabricação em série, alcançando o mercado consumidor. Durante a década de 40 muitos autores surgiram e lançaram vários livros, o que facilitou a profissionalização.
Na década de 50 mais produções foram lançadas, mas com temas variados: ficção histórica, biografia, histórias que se passavam na floresta ou no campo; uma produção fértil na área da narrativa, mas carente na esfera da poesia.
Estas décadas ficaram conhecidas pela grande produção, mas sem grandes nomes de escritores, com histórias que constituíam temas repetitivos. Diferente do prestígio que a literatura não-infantil estava alcançando, a literatura infantil, nesse período ficou mais marginalizada.
Nos anos que se seguiram o país foi sofrendo várias mudanças, a arte literária procurou percorrer diferentes caminhos, como poesia, ficção, romance, romance psicológico, houve uma tendência maior em se abrir para as novidades das produções internacionais.
Desde o final da segunda guerra o Brasil passou a sofrer influência dos produtos industrializados norte americano, a partir dos anos 50 as revistas em quadrinhos O Pato Donald passaram a ser publicadas no país.
A concorrência das obras nacionais e estrangeiras continuou, e a influência daquela sobre essa também.
Outro ponto que a literatura infantil enfrentou foi a competição com os meios de comunicação de massa (as televisões), que transformou o estilo de vida das pessoas e a elitização da cultura pela classe mais elevada, que a via como uma literatura menor. A solução encontrada foi encampar temas da ideologia em voga, e se aliar a editores que desejavam ampliar os campo desse tipo de obra.
Enquanto a país caminhava rumo à industrialização e a modernização, a literatura infantil buscava defender os meios de sobrevivência agrários, com temas do Brasil Colonial, como a cafeicultura e a exploração dos bandeirantes.
A tematização da criança foi outra fonte utilizada pelos autores, desde as fábulas e os contos de fada. No Brasil deve-se, em especial, Lobato, com seus bichos e bonecos animados e outros escritores que através de personagens animais (simbolizando a criança) procuraram retratar situações para a aprendizagem. Outros autores criaram histórias com imagens ideais de crianças do ponto de vista do adulto, retratando sua dependência do adulto, tais escritores não ganharam à repercussão que Lobato teve em sua época.
            A industrialização do Brasil beneficiou a cultura, por favorecer o consumo de bens, como sua conseqüência à indústria de livros se consolidou e a escola expandiu. Os escritores passaram a produzir em série, na situação de operário de acordo com as exigências do mercado (escola, família, governo... os adultos).
            O ideal de sustentação burguesa foi expresso por meio das viagens dos personagens a lugares atrativos, a compra de fazendas, de animais de raça... os traços tradicionais continuaram. A literatura foi seguindo o curso da história do país, influenciada pela classe dominante, sem levantar questionamentos. Esse período da produção literária não se preocupou com a realidade, mas em transmitir ideologias da época.
Nos anos 60 surgiram vários programas e instituições interessados na literatura infantil.
Na década de 70 o governo começou a editar livros infantis e juvenis para as escolas, ao constatar o baixo nível de leitura; para isto foi preciso investir grande quantidade de capital da iniciativa privada, com novas formas de textos, aumentando a quantidade e acelerando os lançamentos. Outro aspecto é que começaram a surgir instruções e sugestões didáticas para os livros, a visita de autores a escolas para conversar com as crianças sobre a obra.
Isto tudo levou a abertura de várias livrarias especializadas em atender o público infantil, muitos autores e ilustradores se voltaram para essa área, profissionalizando-se rapidamente. A literatura infantil brasileira passou a ganhar cada vez mais espaço, ao produzir muitas obras, correspondendo ao mercado capitalista de consumo.
O enfoque do Brasil moderno e urbano com seus problemas, conflitos e impasses também se tornou outro tema abordado, e progressivamente foi denunciando os males da sociedade brasileira. Aqueles valores anteriores de autoritarismo e olhar de adulto foram se diluindo e se enfraquecendo em meios aos novos temas realistas, que a literatura passou a abordar.
As histórias retratavam personagens infantis passando por crises do mundo social, como a separação dos pais; as histórias tornaram-se menos politicamente corretas e mais próximas da realidade.
Temas como ficção científica e o mistério policial foram surgindo em meio a industrialização da cultura. Os aspectos gráficos deixaram de ser apenas recursos e se tornaram uma parte importante da transmissão da mensagem da história. Já a poesia ganhou espaço a pouco tempo dentro da literatura infantil. Este foi o ciclo da “representação desmistificadora do real” (Zilbermam e Lajolo,1999: p.128)
Entre os ano 60 e 70 os investimentos cresceram na área da literatura infantil, e alguns autores tentaram levar para a população carente a produção literária, a denúncia era parte do tema tratado, com preços baratos os livros passaram a ser produzidos, mas o resultado se resumiu a repetição e ao simplismo.
O clima da literatura mudou quando o governo militar, impôs o quinto Ato Institucional, o qual controlava a produção artística do país, na tentativa de não mais permitir críticas ao Estado. Mesmo com esta atitude, a produção literária não retrocedeu e novas propostas foram aparecendo, uma arte de protesto.
Anos 70 muitos títulos foram editados no Brasil, o ensino médio e superior se expandiu, o que tornou o mercado consumidor mais abrangente. Isto mostrou que tanto a literatura infantil, como a não-infantil foi marcada pela instituição escolar.
A poesia se solidificou nos últimos anos como literatura infantil, deixou a tradição didática e o conservadorismo da escrita, os poetas começaram a tematizar o cotidiano infantil, e a criança como ser que agia em suas obras. Surgiram como tema as modinhas infantis, canções de ninar e brincadeiras de roda; os sons também foram muito explorados, por meio de rimas e onomatopéias. Expressam naturalidade e ingenuidade quanto ao mundo, por meio de animais, como as fábulas.
A partir dos anos 60 a oralidade (dialetos sociais) começaram a surgir dentro deste gênero da literatura, aproximando as histórias das classes menos favorecidas economicamente e se afastando dos valores dominantes.
A estrutura do texto começou a ser mais explorada com procedimentos metalingüísticos, intertextualidade, e brincadeiras com as palavras, com a forma de narrar, o narrador passou a criar um diálogo com o seu leitor. Personagens com conflitos internos representados por animais, a desmistificação dos reinos de fadas, mistura do social com o individual, do universal e regional.
Mesmo se libertando das correntes da pedagogia conservadora, a literatura infantil continua depende da escola para fazer a sua divulgação e através dela giram grandes capitais.
Hoje a escola sendo ainda a principal divulgadora e incentivadora da literatura infantil como tem se portado?
O que se encontra nas salas de aula são livros de qualidade inferior, com histórias empobrecidas, com fundo pedagógico e / ou moralizante, reconto resumido dos contos tradicionais, de baixo valor financeiro, os quais podem ser comprados em série e permanece a carência de obras poéticas.
Como dissem Zilbermam e Lajolo  “... qualidade não é condição do consumo, nem a crítica, filtro do mercado.” (1999: p.117)

Bibliografia
ZILBERMAM, R. e LAJOLO, M. Literatura Infantil Brasileira: Histórias e Histórias. São Paulo: Editora Ática, 1999.
LAJOLO, M. O que é literatura? São Paulo: Editora Brasiliense, 1997.
__________ Do Mundo da Leitura para a Leitura do Mundo. São Paulo: Ática, 2006.
MACHADO, Regina. Acordais: fundamentos teóricos-poéticos da arte de contar história. São Paulo: DCL, 2004.
                                                    Ms. Luciene Martins Tanaka

Nenhum comentário:

Postar um comentário