A inclusão é uma inovação, cujo sentido tem sido muito distorcido e um movimento muito polemizado pelos mais diferentes segmentos educacionais e sociais. No entanto, inserir alunos com déficits de toda ordem, permanentes ou temporários, mais graves ou menos severos no ensino regular nada mais é do que garantir o direito de todos à educação - e assim diz a Constituição !
Inovar não tem necessariamente o sentido do
inusitado. As grandes inovações estão, muitas vezes na concretização do óbvio,
do simples, do que é possível fazer, mas que precisa ser
desvelado, para que possa ser compreendido por todos e aceito sem outras resistências,
senão aquelas que dão brilho e vigor ao debate das novidades.
O objetivo desse trabalho é clarear o sentido da
inclusão, como inovação, tornando-o compreensível, aos que se interessam pela
educação como um direito de todos, que precisa ser respeitado. Pretendemos,
também demonstrar a viabilidade da inclusão pela transformação geral das
escolas, visando a atender aos princípios deste novo paradigma educacional.
Para descrever o nosso caminho na direção das escolas
inclusivas vamos focalizar nossas experiências, no cenário educacional
brasileiro sob três ângulos : o dos desafios provocados por essa inovação, o
das ações no sentido de efetivá-la nas turmas escolares, incluindo o trabalho
de formação de professores e, finalmente o das perspectivas que
se abrem à educação escolar, a partir de sua implementação.
UMA EDUCAÇÃO PARA TODOS
O princípio democrático da educação para
todos só se evidencia nos sistemas educacionais que se especializam em
todos os alunos, não apenas em alguns deles, os alunos com deficiência.
A inclusão, como consequência de um ensino de qualidade para todos os alunos
provoca e exige da escola brasileira novos posicionamentos e é um motivo a mais
para que o ensino se modernize e para que os professores aperfeiçoem as suas práticas.
É uma inovação que implica num esforço de atualização e reestruturação das
condições atuais da maioria de nossas escolas de nível básico.
O motivo que sustenta a luta pela inclusão como
uma nova perspectiva para as pessoas com deficiência é, sem
dúvida, a qualidade de ensino nas escolas públicas e privadas, de modo que se
tornem aptas para responder às necessidades de cada um de seus alunos, de
acordo com suas especificidades, sem cair nas teias da educação especial e suas
modalidades de exclusão.
O sucesso da inclusão de alunos com
deficiência na escola regular decorre, portanto, das possibilidades de
se conseguir progressos significativos desses alunos na escolaridade, por meio
da adequação das práticas pedagógicas à diversidade dos aprendizes. E só se consegue
atingir esse sucesso, quando a escola regular assume que as dificuldades de
alguns alunos não são apenas deles, mas resultam em grande parte do modo como o
ensino é ministrado, a aprendizagem é concebida e avaliada. Pois não apenas as
deficientes são excluídas, mas também as que são pobres, as que não vão às
aulas porque trabalham, as que pertencem a grupos discriminados, as que de
tanto repetir desistiram de estudar.
OS DESAFIOS
Toda criança precisa da escola para aprender e não
para marcar passo ou ser segregada em classes especiais e atendimentos à parte.
A trajetória escolar não pode ser comparada a um rio perigoso e ameaçador, em
cujas águas os alunos podem afundar. Mas há sistemas organizacionais de ensino
que tornam esse percurso muito difícil de ser vencido, uma verdadeira
competição entre a correnteza do rio e a força dos que querem se manter no seu
curso principal.
Um desses sistemas, que muito apropriadamente se
denomina "de cascata", prevê a exclusão de algumas crianças, que têm
déficits temporários ou permanentes e em função dos quais apresentam
dificuldades para aprender. Esse sistema contrapõe-se à melhoria do ensino nas
escolas, pois mantém ativo, o ensino especial, que atende aos alunos que caíram
na cascata, por não conseguirem corresponder às exigências e expectativas da
escola regular. Para se evitar a queda na cascata, na maioria das vezes sem
volta, é preciso remar contra a correnteza, ou seja, enfrentar os desafios da
inclusão : o ensino de baixa qualidade e o subsistema de ensino especial,
desvinculada e justaposto ao regular.
Priorizar a qualidade do ensino regular é, pois, um
desafio que precisa ser assumido por todos os educadores. É um compromisso
inadiável das escolas, pois a educação básica é um dos fatores do desenvolvimento
econômico e social. Trata-se de uma tarefa possível de ser realizada, mas é
impossível de se efetivar por meio dos modelos tradicionais de organização do
sistema escolar.
Se hoje já podemos contar com uma Lei Educacional
que propõe e viabiliza novas alternativas para melhoria do ensino nas escolas,
estas ainda estão longe, na maioria dos casos, de se tornarem inclusivas, isto
é, abertas a todos os alunos, indistinta e incondicionalmente. O que existe em
geral são projetos de inclusão parcial, que não estão associados a mudanças de
base nas escolas e que continuam a atender aos alunos com deficiência em
espaços escolares semi ou totalmente segregados (classes especiais, salas de
recurso, turmas de aceleração, escolas especiais, os serviços de itinerância).
As escolas que não estão atendendo alunos com
deficiência em suas turmas regulares se justificam, na maioria das vezes pelo
despreparo dos seus professores para esse fim. Existem também as que não
acreditam nos benefícios que esses alunos poderão tirar da nova situação,
especialmente os casos mais graves, pois não teriam condições de acompanhar os
avanços dos demais colegas e seriam ainda mais marginalizados e discriminados
do que nas classes e escolas especiais.
Em ambas as circunstâncias, o que fica evidenciado
é a necessidade de se redefinir e de se colocar em ação novas alternativas e
práticas pedagógicas, que favoreçam a todos os alunos, o que, implica na
atualização e desenvolvimento de conceitos e em aplicações educacionais
compatíveis com esse grande desafio.
Muda então a escola ou mudam os alunos, para se
ajustarem às suas velhas exigências ? Ensino especializado em todas as crianças
ou ensino especial para deficientes? Professores que se aperfeiçoam para
exercer suas funções, atendendo às peculiaridades de todos os alunos, ou
professores especializados para ensinar aos que não aprendem e aos que não
sabem ensinar?
AS AÇÕES
Visando os aspectos organizacionais
Ao nosso ver é preciso mudar a escola e mais
precisamente o ensino nelas ministrado. A escola aberta para todos é a grande
meta e, ao mesmo tempo, o grande problema da educação na virada do século.
Mudar a escola é enfrentar uma tarefa que exige
trabalho em muitas frentes. Destacaremos as que consideramos primordiais, para
que se possa transformar a escola , em direção de um ensino de
qualidade e, em consequência, inclusivo.
Temos de agir urgentemente:
- colocando
a aprendizagem como o eixo das escolas, porque escola foi feita para fazer
com que todos os alunos aprendam;
- garantindo
tempo para que todos possam aprender e reprovando a repetência;
- abrindo
espaço para que a cooperação, o diálogo, a solidariedade, a criatividade e
o espírito crítico sejam exercitados nas escolas, por professores,
administradores, funcionários e alunos, pois são habilidades mínimas para
o exercício da verdadeira cidadania;
- estimulando,
formando continuamente e valorizando o professor que é o responsável pela
tarefa fundamental da escola - a aprendizagem dos alunos;
- elaborando
planos de cargos e aumentando salários, realizando concursos públicos de
ingresso, acesso e remoção de professores.
Que ações implementar para que a escola mude ?
Para melhorar as condições pelas quais o ensino é
ministrado nas escolas, visando, universalizar o acesso, ou seja, a inclusão de
todos, incondicionalmente, nas turmas escolares e democratizar a educação,
sugerimos o que, felizmente, já está ocorrendo em muitas redes de ensino,
verdadeiras vitrines que expõem o sucesso da inclusão.
A primeira sugestão para que se caminhe para uma
educação de qualidade é estimular as escolas para que elaborem com
autonomia e de forma participativa o seu Projeto Político Pedagógico,
diagnosticando a demanda, ou seja, verificando quantos são os alunos, onde
estão e porque alguns estão fora da escola.
Sem que a escola conheça os seus alunos e os que
estão à margem dela, não será possível elaborar um currículo escolar
que reflita o meio social e cultural em que se insere. A integração
entre as áreas do conhecimento e a concepção transversal das novas propostas de
organização curricular consideram as disciplinas acadêmicas como meios e não
fins em si mesmas e partem do respeito à realidade do aluno, de suas
experiências de vida cotidiana, para chegar à sistematização do saber.
Como essa experiência varia entre os alunos, mesmo
sendo membros de uma mesma comunidade, a implantação dos ciclos de
formação é uma solução justa, embora ainda muito incompreendida pelos
professores e pais, por ser uma novidade e por estar sendo ainda pouco
difundida e aplicada pelas redes de ensino. De fato, se dermos mais tempo para
que os alunos aprendam, eliminando a seriação, a reprovação, nas passagens de
um ano para outro, estaremos adequando o processo de aprendizagem ao ritmo e
condições de desenvolvimento dos aprendizes - um dos princípios das escolas de
qualidade para todos
Por outro lado, a inclusão não implica em que se
desenvolva um ensino individualizado para os alunos que apresentam déficits
intelectuais, problemas de aprendizagem e outros, relacionados ao desempenho
escolar. Na visão inclusiva, não se segregam os atendimentos, seja dentro ou
fora das salas de aula e, portanto, nenhum aluno é encaminhado à salas de
reforço ou aprende, a partir de currículos adaptados. O professor não
predetermina a extensão e a profundidade dos conteúdos a serem construídos
pelos alunos, nem facilita as atividades para alguns, porque, de antemão já
prevê q dificuldade que possam encontrar para realizá-las. Porque é o aluno que
se adapta ao novo conhecimento e só ele é capaz de regular o seu processo de
construção intelectual.
A avaliação constitui um outro entrave à
implementação da inclusão. É urgente suprimir o caráter classificatório
da avaliação escolar, através de notas, provas, pela visão diagnóstica
desse processo que deverá ser contínuo e qualitativo, visando depurar o ensino
e torná-lo cada vez mais adequado e eficiente à aprendizagem de todos os
alunos. Essa medida já diminuiria substancialmente o número de alunos que são
indevidamente avaliados e categorizados como deficientes, nas escolas regulares.
A aprendizagem como o centro das atividades
escolares e o sucesso dos alunos, como a meta da escola, independentemente
do nível de desempenho a que cada um seja capaz de chegar são condições de base
para que se caminha na direção de escolas acolhedoras. O sentido desse
acolhimento não é o da aceitação passiva das possibilidades de cada um, mas o
de serem receptivas a todas as crianças, pois as escolas existem, para formar
as novas gerações, e não apenas alguns de seus futuros membros, os mais privilegiados.
A inclusão não prevê a utilização de métodos
e técnicas de ensino específicas para esta ou aquela deficiência. Os
alunos aprendem até o limite em que conseguem chegar, se o ensino for de
qualidade, isto é, se o professor considera o nível de possibilidades de
desenvolvimento de cada um e explora essas possibilidades, por meio de
atividades abertas, nas quais cada aluno se enquadra por si mesmo, na medida de
seus interesses e necessidades, seja para construir uma idéia, ou resolver um
problema, realizar uma tarefa. Eis aí um grande desafio a ser enfrentado pelas
escolas regulares tradicionais, cujo paradigma é condutista, e baseado na
transmissão dos conhecimentos.
O trabalho coletivo e diversificado nas turmas e na escola como
um todo é compatível com a vocação da escola de formar as gerações. É nos
bancos escolares que aprendemos a viver entre os nossos pares, a dividir as
responsabilidades, repartir as tarefas. O exercício dessas ações desenvolve a
cooperação, o sentido de se trabalhar e produzir em grupo, o reconhecimento da
diversidade dos talentos humanos e a valorização do trabalho de cada pessoa
para a consecução de metas comuns de um mesmo grupo.
O tutoramento nas salas de aula
tem sido uma solução natural, que pode ajudar muito os alunos, desenvolvendo
neles o hábito de compartilhar o saber. O apoio ao colega com dificuldade é uma
atitude extremamente útil e humana e que tem sido muito pouco desenvolvida nas
escolas, sempre tão competitivas e despreocupadas com a a construção de valores
e de atitudes morais.
Além dessas sugestões, referentes ao ensino nas
escolas, a educação de qualidade para todos e a inclusão implicam em mudanças
de outras condições relativas à administração e aos papéis desempenhados pelos
membros da organização escolar.
Nesse sentido é primordial que sejam revistos
os papéis desempenhados pelos diretores e coordenadores, no
sentido de que ultrapassem o teor controlador, fiscalizador e burocrático de
suas funções pelo trabalho de apoio, orientação do professor e de toda a comunidade
escolar.
A descentralização da gestão
administrativa, por sua vez, promove uma maior autonomia pedagógica,
administrativa e financeira de recursos materiais e humanos das escolas, por
meio dos conselhos, colegiados, assembléias de pais e de alunos. Mudam-se os
rumos da administração escolar e com isso o aspecto pedagógico das funções do
diretor e dos coordenadores e supervisores emerge. Deixam de existir os motivos
pelos quais que esses profissionais ficam confinados aos gabinetes, às questões
burocráticas, sem tempo para conhecer e participar do que acontece nas salas de
aula.
Visando a formação continuada dos professores
Sabemos que, no geral, os professores são bastante
resistentes às inovações educacionais, como a inclusão. A tendência é se refugiarem
no impossível, considerando que a proposta de uma educação para todos é válida,
porém utópica, impossível de ser concretizada com muitos alunos e nas
circunstâncias em que se trabalha, hoje, nas escolas, principalmente nas redes
públicas de ensino.
A maioria dos professores têm uma visão funcional
do ensino e tudo o que ameaça romper o esquema de trabalho prático que
aprenderam a aplicar em suas salas de aula é rejeitado. Também reconhecemos que
as inovações educacionais abalam a identidade profissional, e o lugar
conquistado pelos professores em uma dada estrutura ou sistema de ensino,
atentando contra a experiência, os conhecimentos e o esforço que fizeram para
adquiri-los.
Os professores, como qualquer ser humano, tendem a
adaptar uma situação nova às anteriores. E o que é habitual, no caso dos cursos
de formação inicial e na educação continuada, é a separação entre teoria e
prática. Essa visão dicotômica do ensino dificulta a nossa atuação, como
formadores. Os professores reagem inicialmente à nossa metodologia, porque
estão habituados a aprender de maneira incompleta, fragmentada e essencialmente
instrucional. Eles esperam aprender uma prática inclusiva, ou melhor, uma
formação que lhes permita aplicar esquemas de trabalho pré-definidos às suas salas
de aulas, garantindo-lhes a solução dos problemas que presumem encontrar nas
escolas inclusivas.
Em uma palavra, os professores acreditam que a
formação em serviço lhes assegurará o preparo de que necessitam para se
especializarem em todos os alunos, mas concebem essa formação como sendo mais
um curso de extensão, de especialização com uma terminalidade e com um
certificado que lhes convalida a capacidade de efetivar a inclusão escolar.
Eles introjetaram o papel de praticantes e esperam que os formadores lhes
ensinem o que é preciso fazer, para trabalhar com níveis diferentes de
desempenho escolar, transmitindo-lhes os novos conhecimentos, conduzindo-lhes
da mesma maneira como geralmente trabalham com seus próprios alunos. Acreditam
que os conhecimentos que lhes faltam para ensinar as crianças com deficiência
ou dificuldade de aprender por outras incontáveis causas referem-se
primordialmente à conceituação, etiologia, prognósticos das deficiências e que
precisam conhecer e saber aplicar métodos e técnicas específicas para a
aprendizagem escolar desses alunos. Os dirigentes das redes de ensino e das
escolas particulares também pretendem o mesmo, num primeiro momento, em que
solicitam a nossa colaboração.
Se de um lado é preciso continuar investindo
maciçamente na direção da formação de profissionais qualificados, não se pode
descuidar da realização dessa formação e estar atento ao modo pelo qual os
professores aprendem para se profissionalizar e para aperfeiçoar seus
conhecimentos pedagógicos, assim como reagem às novidades, aos novos possíveis
educacionais.
A metodologia
Diante dessas circunstâncias e para que possamos
atingir nossos propósitos de formar professores para uma escola de
qualidade para todos, idealizamos um projeto de formação que tem sido
adotado por redes de ensino públicas e escolas particulares brasileiras, desde
1991.
Nossa proposta de formação se baseia em princípios
educacionais construtivistas, pois reconhecemos que a cooperação, a autonomia
intelectual e social, a aprendizagem ativa e a cooperação são condições que
propiciam o desenvolvimento global de todos os alunos, assim como a capacitação
e o aprimoramento profissional dos professores.
Nesse contexto, o professor é uma referência para o
aluno e não apenas um mero instrutor, pois enfatizamos a importância de seu
papel tanto na construção do conhecimento, como na formação de atitudes e
valores do futuro cidadão. Assim sendo, a formação continuada vai além dos
aspectos instrumentais de ensino.
A metodologia que adotamos reconhece que o professor,
assim como o seu aluno, não aprendem no vazio. Assim sendo, partimos do
"saber fazer" desses profissionais, que já possuem
conhecimentos, experiências, crenças, esquemas de trabalho, ao entrar em
contato com a inclusão ou qualquer outra inovação.
Em nossos projetos de aprimoramento e atualização
do professor consideramos fundamental o exercício constante de reflexão
e o compartilhamento de idéias, sentimentos, ações entre os
professores, diretores, coordenadores da escola. Interessam-nos as experiências
concretas, os problemas reais, as situações do dia-a-dia que desequilibram o
trabalho, nas salas de aula. Eles são a matéria-prima das mudanças. O questionamento
da própria prática, as comparações, a análise das circunstâncias e dos
fatos que provocam perturbações e/ou respondem pelo sucesso vão definindo,
pouco a pouco, aos professores as suas "teorias pedagógicas".
Pretendemos que os professores sejam capazes de explicar o que outrora
só sabiam reproduzir, a partir do que aprendiam em cursos, oficinas,
palestras, exclusivamente. Incentivamos os professores para que interajam com
seus colegas com regularidade, estudem juntos, com e sem o nosso apoio técnico
e que estejam abertos para colaborar com seus pares, na busca dos caminhos
pedagógicos da inclusão.
O fato de os professores fundamentarem suas
práticas e argumentos pedagógicos no senso comum dificulta a explicitação dos
problemas de aprendizagem. Essa dificuldade pode mudar o rumo da trajetória
escolar de alunos que muitas vezes são encaminhados indevidamente para as
modalidades do ensino especial e outras opções segregativas de atendimento
educacional.
Daí a necessidade de se formarem grupos de
estudos nas escolas, para a discussão e a compreensão dos problemas
educacionais, à luz do conhecimento científico e interdisciplinarmente, se
possível. Os grupos são organizados espontaneamente pelos próprios professores,
no horário em que estão nas escolas e são acompanhados, inicialmente, pela
equipe da rede de ensino, encarregada da coordenação das ações de formação. As
reuniões têm como ponto de partida, as necessidades e interesse comuns de
alguns professores de esclarecer situações e de aperfeiçoar o modo como
trabalham nas salas de aula. O foco dos estudos está na resolução dos problemas
de aprendizagem, o que remete à análise de como o ensino está sendo ministrado,
pois o processo de construção do conhecimento é interativo e os seus dois lados
devem ser analisados, quando se quer esclarecê-lo.
Participam dos grupos, além dos professores, o
diretor da escola, coordenadores, mas há grupos que se formam entre membros de
diversas escolas, que estejam voltados para um mesmo tema de estudo, como por
exemplo a indisciplina, a sexualidade, a ética e a violência, a avaliação e
outros assuntos pertinentes.
A equipe responsável pela coordenação da formação é
constituída por professores, coordenadores, que são da própria rede de ensino,
e por parceiros de outras Secretarias afins: Saúde, Esportes, Cultura. Nós
trabalhamos diretamente com esses profissionais, mas também participamos do
trabalho nas escolas, acompanhando-as esporadicamente, quando somos solicitados
- minha equipe de alunos e eu.
Os Centros de Desenvolvimento do Professor
Algumas redes de ensino criaram o que chamamos de
Centros de Desenvolvimento do Professor, os quais representam um avanço nessa
nova direção de formação continuada, que estamos propondo, pois sediam a
maioria das ações de aprimoramento da rede, promovendo eventos de pequeno,
médio e grande porte, como workshops, seminários, entrevistas, com
especialistas, fóruns e outras atividades. Sejam atendendo individualmente,
como em pequenos e grandes grupos os professores, pais, comunidade. Os
referidos Centros também se dedicam ao encaminhamento e atendimento de alunos
que necessitam de tratamento clínico, em áreas que não sejam a escolar,
propriamente dita.
Temos estimulado em todas as redes em que atuamos a
criação dos centros, pois ao nosso ver, eles resumem o que pretendemos, quando
nos referimos à formação continuada - um local em que o professor e toda
comunidade escolar vem para realimentar o conhecimento pedagógico, além de
servir igualmente aos alunos e a todos os interessados pela educação, no
município.
Ao nosso ver, os cursos e demais atividades de
formação em serviço, habitualmente oferecidos aos professores não estão obtendo
o retorno que o investimento propõe. Temos insistido na criação desses Centros,
porque a existência de seus serviços redireciona o que já é usual nas redes de
ensino, ou seja, o apoio ao professor, pelos itinerantes. Não concordamos com
esse suporte a alunos e professores com dificuldades, porque "apagam
incêndio", agem sobre os sintomas, oferecem soluções particularizadas,
locais, mas não vão à fundo no problema e suas causas. Os serviços itinerantes de
apoio não solicitam o professor, no sentido de que se mobilize, de que reveja
sua prática. Sua existência não obriga o professor a assumir a responsabilidade
pela aprendizagem de todos os alunos, pois já existe um especialista para
atender aos caso mais difíceis, que são os que justamente fazem o professor
evoluir, na maneira de proceder com a turma toda. Porque se um aluno não vai
bem, seja ele uma pessoa com ou sem deficiência, o problema precisa ser
analisado não apenas com relação às reações dessa ou de outra criança, mas ao
grupo como um todo, ao ensino que está sendo ministrado, para que os alunos
possam aprender, naquele grupo.
A itinerância não faz evoluir as práticas, o
conhecimento pedagógico dos professores. Ë, na nossa opinião, mais uma
modalidade da educação especial que acomoda o professor do ensino regular,
tirando-lhe a oportunidade de crescer, de sentir a necessidade de buscar
soluções e não aguardar que alguém de fora venha, regularmente, para resolver
seus problemas. Esse serviço igualmente reforça a idéia de que os problemas de
aprendizagem são sempre do aluno e que ó o especialista poderá se incumbir de
removê-los, com adequação e eficiência.
O tipo de formação que estamos implementando para
tornar possível a inclusão implica no estabelecimento de parcerias entre
professores, alunos, escolas, profissionais de outras áreas afins,
Universidades, para que possa se manter ativa e capaz de fazer frente às
inúmeras solicitações que essa modalidade de trabalho provoca nos interessados.
Por outro lado, essas parcerias ensejam o desenvolvimento de outras ações,
entre as quais a investigação educacional e em outros ramos do
conhecimento. São nessas redes e a partir dessa formação que estamos
pesquisando e orientando trabalhos de nossos alunos de graduação e pós-graduação
da Faculdade de Educação / Unicamp e onde estamos observando os efeitos desse
trabalho, nas redes.
Não dispensamos os cursos, oficinas e outros
eventos de atualização e de aperfeiçoamento, quando estes são reinvindicados
pelo professor e nesse sentido a parceria com outros grupos de pesquisa da
Unicamp e colegas de outras Universidades têm sido muito eficiente. Mas há
cursos que oferecemos aos professores, que são ministrados por seus colegas da
própria rede, quando estes se dispõe a oferecê-los ou são convidados por nós,
ao conhecermos o valor de sua contribuição para os demais.
As escolas e professores com os quais estamos
trabalhando já apresentam sintomas pelos quais podemos perceber que estão
evoluindo dia -a- dia para uma Educação de qualidade para Todos. Esses sintomas
podem ser resumidos no que segue:
- reconhecimento
e valorização da diversidade, como elemento enriquecedor do processo de
ensino e aprendizagem;
- professores
conscientes do modo como atuam, para promover a aprendizagem de todos os
alunos;
- cooperação
entre os implicados no processo educativo - dentro e fora da escola;
- valorização
do processo sobre o produto da aprendizagem;
- enfoques
curriculares, metodológicos e estratégias pedagógicas que possibilita, a
construção coletiva do conhecimento.
É preciso, contudo, considerar que a avaliação dos
efeitos de nossos projetos não se centram no aproveitamento de alguns alunos,
os deficientes, nas classes regulares. Embora estes casos sejam objeto de nossa
atenção, queremos acima de tudo saber se os professores evoluíram na sua
maneira de fazer acontecer a aprendizagem nas suas salas de aula; se as escolas
se transformaram, se as crianças estão sendo respeitadas nas suas
possibilidades de avançar, autonomamente, na construção dos conhecimentos
acadêmicos; se estes estão sendo construídos no coletivo escolar, em clima de
solidariedade; se a as relações entre as crianças, pais, professores e toda a
comunidade escolar se estreitaram, nos laços da cooperação, do diálogo, fruto
de um exercício diário de compartilhamento de seus deveres, problemas,
sucessos.
Outras alternativas de formação
Para ampliar essas parcerias estamos utilizando
também as redes de comunicação à distância para intercâmbios de experiências
entre alunos e profissionais da educação, pais e comunidade. Embora ainda
incipiente, o Caleidoscópio - Um Projeto de Educação Para Todos é
o nosso site na Internet e por meio deste hipertexto estamos trabalhando no
sentido de provocar a interatividade presencial e virtual entre as escolas, como
mais uma alternativa de formação continuada, que envolve os alunos, as escolas
e a rede como um todo. O Caleidoscópio tem sido objeto de estudos de nossos
alunos e de outras unidades da Unicamp, relacionadas à ciência da computação e
está crescendo como proposta e abrindo canais de participação com a comunidade
e com outras instituições que se propõe a participar do movimento inclusivo,
dentro e fora das escolas.
Se pretendemos mudanças nas práticas de sala de
aula, não podemos continuar formando e aperfeiçoando os professores como se as
inovações só se referissem à aprendizagem dos alunos da educação infantil, da
escola fundamental e do ensino médio...
AS PERSPECTIVAS
A escola para a maioria das crianças brasileiras é
o único espaço de acesso aos conhecimentos universais e sistematizados, ou
seja, é o lugar que vai lhes proporcionar condições de se desenvolver e de se
tornar um cidadão , alguém com identidade social e cultural
Melhorar as condições da escola é formar gerações
mais preparadas para viver a vida na sua plenitude, livremente, sem
preconceitos, sem barreiras. Não podemos nos contradizer nem mesmo
contemporizar soluções, mesmo que o preço que tenhamos de pagar seja bem alto,
pois nunca será tão alto quanto o resgate de uma vida escolar marginalizada,
uma evasão, uma criança estigmatizada, sem motivos.
A escola prepara o futuro e de certo que se as
crianças conviverem e aprenderem a valorizar a diversidade nas suas salas de
aula, serão adultos bem diferentes de nós, que temos de nos empenhar tanto para
defender o indefensável.
A inclusão escolar remete a escola a questões de
estrutura e de funcionamento que subvertem seus paradigmas e que implicam em um
redimensionamento de seu papel, para um mundo que evolui a "bytes".
O movimento inclusivo, nas escolas, por mais que
seja ainda muito contestado, pelo caráter ameaçador de toda e qualquer mudança,
especialmente no meio educacional, é irreversível e convence a todos pela sua
lógica, pela ética de seu posicionamento social.
A inclusão está denunciando o abismo existente
entre o velho e o novo na instituição escolar brasileira. A inclusão é
reveladora dessa distância que precisa ser preenchida com as ações que
relacionamos anteriormente.
Assim sendo, o futuro da escola inclusiva está, ao
nosso ver, dependendo de uma expansão rápida dos projetos verdadeiramente
embuídos do compromisso de transformar a escola, para se adequar aos novos
tempos.
Se hoje ainda são experiências locais, as que estão
demonstrando a viabilidade da inclusão, em escolas e redes de ensino
brasileiras, estas experiências têm a força do óbvio e a clareza da
simplicidade e só essas virtudes são suficientes para se antever o crescimento
desse novo paradigma no sistema educacional.
Não se muda a escola com um passe de mágica.
A implementação da escola de qualidade, que é
igualitária, justa e acolhedora para todos, é um sonho possível.
A aparente fragilidade das pequenas iniciativas, ou
seja, essas experiências locais que têm sido suficientes para enfrentar o poder
da máquina educacional, velha e enferrujada, com segurança e tranquilidade.
Essas iniciativas têm mostrado a viabilidade da inclusão escolar nas escolas
brasileiras.
As perspectivas do ensino inclusivo são, pois,
animadoras e alentadoras para a nossa educação. A escola é do povo, de todas as
crianças, de suas famílias, das comunidade, em que se inserem.
Crianças, bem-vindas à uma nova escola !
Ms. Luciene Martins Tanaka
Ms. Luciene Martins Tanaka
BIBLIOGRAFIA
BROWN,L. et alii (1979). A
strategy for developing chronological age appropriate and functional curricular
adolescents and severely handicapped adolescents and young adults. In: The
Journal of Special Education. 13 (1), 81-90.
BROWN,L. et alii
(1983). Enseigner aux élèves gravement handicapés à accomplir des
tâches essentielles em millieu de travail hétérogène.Wisconsin: University
of Wisconsin e Madison Metropolitan School District.
DORÉ,R.,
WAGNER,S.,BRUNET,J.P. (1996). Réussir l’intégration scolaire - la déficience
intellectuelle. Montréal (Québec): Les Éditions LOGIQUES Inc.
FALVEY,M.A. et HANEY,M.
(1989). Partnerships with parents and significant others. In: Falvey,M.A. Community-base
curriculum. instructional strategies for students with severe handicaps.
Baltimore,MD: Paul H.Brookes Publishing Co. 15-34.
FERGUSSON,D.L. et alii
(1992). Figuring out what to do with grownups:how teachers make inclusion
"work"for students with disabilities. In: The Journal of the
Association for Persons With Severe Disabilities (JASH), 17 (4),
218-226.
MANTOAN,M.T.E. (1988). Compreendendo a
deficiência mental: novos caminhos educacionais. São Paulo: Editora
Scipione.
MANTOAN,M.T.E. (1991). A solicitação do
meio escolar e a construção das estruturas da inteligência no deficiente
mental: uma interpretação fundamentada na teoria de conhecimento de Jean Piaget.
Tese de doutoramento. Campinas:UNICAMP/Faculdade de Educação.
MONEREO,C. (1985). In: Steenlandt, D. La
integration de niños discapacitados a la educación común. Santiago do
Chile: UNESCO/OREALC, 1991.
MORENO,M. (1993). Os temas transversais : um ensino
olhando para frente. In: Busquets,M.D. et alii. Los temas
transversales: claves de la formación integral. Madri:Santillana,
1993. 10-43.
PETERSON,M. et alii (1992).
Community-referenced learning in inclusive schools: effective curriculum for
all students. In: Stainback,S. et Stainback,W.(organizadores). Curriculum
considerations in inclusive classrooms:facilitating learning for all students.
Baltimore,MD: Paul H.Brookes Publishing Co. 207-227.
PURKEY,W.W. et NOVAK,J.M.
(1984). Inviting school success.A self-concept approach to teaching and
learning. Belmont: Wadsworth.
SAINT-LAURENT,L.
(1994). L’éducation intégrée à la communauté en déficience
intellectuelle. Montréal,
Québec: Les Editions Logiques Inc.
ótima matéria, vou indicar ao colegio objetivo zona norte SP. Muuito bom esse projeto, recomendo aos educadores, parabéns pelo blog incrível!!!
ResponderExcluir