quinta-feira, 18 de abril de 2013

A psicopedagogia e as modalidades de aprendizagem

O conceito de Modalidade de Aprendizagem, dado por Alicia Fernández (1991), propicia-nos uma passagem do universal para o particular, da análise estática do aqui/agora para o estudo de um processo dinâmico; de um objeto de conhecimento construído para um objeto de conhecimento em construção. O fundamental aqui é o modo como ocorre o processo de construção de conhecimento no interior do sujeito que aprende. 
Cada um de nós apresenta uma forma, um modo particular singular de entrar em contato com o conhecimento. Isso significa que cada um de nós tem sua particular e individual modalidade de aprendizagem, que oferece uma maneira própria de aproximar-se do objeto de conhecimento, formando um saber que lhe é peculiar. Constrói-se essa modalidade de aprendizagem desde o nascimento do indivíduo, através da qual ele se enfrenta com a angústia inerente ao conhecer-desconhecer. 
A modalidade de aprendizagem se constitui numa matriz, num molde, num esquema de operar utilizado nas várias situações de aprendizagem. Assemelha-se à modalidade sexual e à forma de relação que o indivíduo mantém com o dinheiro, também como a forma de alimentar-se. Por isso, a modalidade de aprendizagem é sempre singular e específica. 
A Psicopedagogia, buscando a Psicanálise como uma área de conhecimento transdisciplinar, concorda que a primeira pessoa que exerce a ensinagem, que transmite um conhecimento para alguém, é aquela que cuida do bebê e que com ele primeiro se relaciona. Esta pessoa pode ser a própria mãe ou alguém que exerça a função materna. È este primeiro vínculo que instaura o espaço transicional que irá possibilitar a ação de aprender. Essa relação intersubjetiva estabelece um vínculo que permitirá alguém aprender e ensinar. O vínculo cria uma modalidade de aprendizagem singular, onde há uma aprendizagem recíproca entre mãe e filho, estabelecendo também uma forma de ensinagem. A mãe pode aprender com o filho, daí porque posiciona-se no lugar de quem pode ensiná-lo. Piera Aulagnier chama de “violência primária necessária” o fato de a mãe precisar pensar pelo seu bebê, nos seus primeiros momentos. Ela utiliza-se de sua capacidade de pensar para criar uma “fala”, “um desejo” como sendo o do seu filho. Porém, ela precisa acreditar que o filho também irá construir sua própria capacidade de pensar e de organizar pensamentos que serão diferentes dos pensados por ela.  Portanto, a Psicopedagogia, tranversalizada pela Psicanálise,  crê que para aprender a pensar necessita-se de um outro que é, ao mesmo tempo, semelhante e diferente, e que irá dar a possibilidade ao indivíduo de tornar-se sujeito, pois aquele que ainda não se constituía como sujeito, para existir como tal, precisa de um outro que lhe dê esta condição. No entanto, é preciso que o outro reconheça o processo de pensar desse sujeito, que lhe outorgue o direito de pensar diferente dos outros. Assim, constituída uma modalidade sadia de aprendizagem, provavelmente esse ser-sujeito vai se relacionar de modo diferente quanto ao conhecimento, quanto à maneira de se colocar diante da agressividade, da violência, e de todas as outras vivências de sua vida, pois construiu uma forma particular de aprender. 
Através do conhecimento da modalidade de aprendizagem do sujeito,  poderemos introduzir um aparato pedagógico que atenda às necessidades específicas do aprendente. Tais necessidades específicas é que vão nortear nosso trabalho. Podemos exemplificar com o caso de uma criança que constantemente manuseie os objetos a ela apresentados. Isso indica que sua modalidade de aprendizagem a faz privilegiar o tato como uma forma de entrar em contato com o objeto de conhecimento. A especificidade da necessidade leva-a a desenvolver uma forma própria de construir seu conhecimento e chegar ao saber direcionado para o lado tátil. Portador desse conhecimento, o psicopedagogo como também o professor usarão atividades que propiciem o ensino das diferentes texturas dos objetos ou mesmo solicitarão ao aprendente falar como é o seu particular modo de perceber o mundo, para daí poderem investigar a forma de como este sujeito está construindo seu conhecimento. 
Segundo Pain (1986), as modalidades de aprendizagem do indivíduo, por sua vez, dependem das modalidades de inteligência. O estudo dessas modalidades vem da análise realizada por Piaget acerca do movimento de acomodação e do movimento de assimilação que o sujeito realiza, para adquirir as primeiras aprendizagens assistemáticas, e que caminharão com ele até chegar às aprendizagens sistemáticas, cujos aspectos positivos e negativos dependerão da maneira como as relações vinculares permeiam esse processo. Pain considera que os referidos movimentos piagetianos, quando perpassados por vínculos negativos, desenvolvem uma hiper e/ou hipoacomodação, ou uma hiper e/ou hipoassimilação, que construirão, no sujeito, modalidades de inteligência patógena. 
Com relação às modalidades de inteligência, achamos interessante para o leitor  resumir esta modalidades, de acordo com a visão de Fernãndez (1991) e Pain (1986) , estabelecendo as relações e conseqüências na aprendizagem.   
  • Hipoassimilação
Modalidade:   pobreza  de  contato  com  o  objeto,  esquemas   de   objeto empobrecidos.
 
-    Conseqüência:   incapacidade  de coordenar estes esquemas, défict lúdico e criativo,  prejuízo  da   função  antecipatória,  da imaginação  e  da  criação.
 
  •   Hiperassimilação
- Modalidade: precocidade na internalização dos esquemas representativos, predomínio do lúdico e da fantasia, subjetivação excessiva.
 
- Conseqüência: não permite antecipação de transformações, desrealização do pensamento, resistência aos limites, dificuldade para resignar-se.
 
  • Hipoacomodação
- Modalidade: não  respeito  ao  ritmo, tempo da criança não obediência à necessidade de repetição de uma experiência, reduzido contato com o objeto.
 
- Conseqüência: déficit na representação simbólica, dificuldade na internalização das imagens, problemas na aquisição da linguagem, falta de estimulação, abandono.
 
  • Hiperacomodação
- Modalidade:  superestimação da imitação, reduzido  contato  com a  subjetividade,  falta  de iniciativa, obediência cega às normas, submissão, não dispõe de suas experiência anteriores.
 
-   Conseqüência:    superestimulação   da    imitação,   falta   de  iniciativa,      obediência acrítica às normas, submissão. 
 
A partir deste esquema sobre as modalidades de inteligência, o sujeito constrói sua não-aprendizagem, da seguinte forma:
 
  • Hipoassimilação/Hiperacomodação
 -  Alunos “bonzinhos”, mas não colocam significados; imitação estereotipada.
      -  Modalidade dominante na escola 
 
  • Hiperassimilação/Hipoacomodação
  -  Problemas de aprendizagem com estrutura psicótica ou de Sintoma
 
  • Hipoassimilação/Hipoacomodação
  -  Não reproduz, não fantasia,
  -  Inibição Cognitiva
 
Outro aspecto que o psicopedagogo deverá considerar: o processo ensino-aprendizagem é sempre um caminho de via dupla. As modalidades de aprendizagem que interferem neste processo dizem respeito não exclusivamente ao aprendente, mas também ao ensinante. Isso nos leva a refletir na nossa própria modalidade de aprendizagem, uma vez que ela poderá construir uma modalidade de ensinagem geradora de modalidades de aprendizagem patógenas.
 
 
REFERÊNCIAS
 
DOLLE, J.M. – Para Além de Freud e Piaget. Editora Vozes, Petrópolis, 1993.
Esther Pillar Grossi e Jussara Bordia, p. 59. Ed. Vozes, Petrópolis, 1996.
 
FERNÁNDEZ,  Alícia   –   A   Inteligência   Aprisionada,  tradução  de  Iara        Rodrigues,   Editora Artes Médicas,  Porto Alegre,  1990.
 
FERNÁNDEZ,  Alícia   - A Mulher Escondida na Professora,  Editora Artes         Médicas,  Porto Alegre,  1997.
 
FERNÁNDEZ,  Alícia A  Mulher  Escondida  na  Professora, Editora Artes Médicas, Porto Alegre, 1994.
 
FERNÁNDEZ,  Alícia.  A  Inteligência  AprisionadaEditora  Artes Médicas,   2ª   Edição, Porto Alegre, 1991
 
FERNÁNDEZ, Alicia. Os idiomas do aprendente. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.
 
FERNÁNDEZ, Alicia. O Saber em Jogo. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.
 
Griz, MGS – Avaliação Psicopedagógica: Verificação de Talentos e Potencialidades. Capítulo 5 do livro Psicopedagogia: Diversas Faces, Múltiplos Olhares. Organizado por Maria Alice Leite Pinto. Editora Olho D’Agua, São Paulo, 2003
 
Griz, MGS - Cognição e Afetividade.  REVISTA    PSICOPEDAGOGIAda Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp . Volume 19 Nº 60, Página 25, São Paulo, 2002.
 
Griz, MGS - O Papel da Família nos Processos de Aprendizagem. REVISTA  CONSTRUÇÃO  PSICOPEDAGÓGICA  do Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo, Ano  XI,  Nº 8, Página 63,  2003.
 
MORIN, Edgar – Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. Editora Cortez, tradução de Catarina Eleonora F. Da Silva e Jeanne Sawaya. Título original: Les sept savoirs nécessaire à l”éducation du futur. 2000, Brasília Distrito Federal
 
PAIN, Sara.  Subjetividade  e  Objetividade: Relações  entre Desejo  e  Conhecimento,  Centro de Estudos Educacionais Vera Cruz – CEVEC, São Paulo, 1996.
 
PAIN, Sara.   Diagnóstico  e  Tratamento  dos  Problema   de   Aprendizagem, Editora Artes Médicas, 2ª Edição, Porto Alegre, 1986.

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