Cada um de nós apresenta uma forma, um modo
particular singular de entrar em contato com o conhecimento. Isso significa que
cada um de nós tem sua particular e individual modalidade de aprendizagem, que
oferece uma maneira própria de aproximar-se do objeto de conhecimento, formando
um saber que lhe é peculiar. Constrói-se essa modalidade de aprendizagem desde
o nascimento do indivíduo, através da qual ele se enfrenta com a angústia
inerente ao conhecer-desconhecer.
A modalidade de aprendizagem se constitui numa
matriz, num molde, num esquema de operar utilizado nas várias situações de
aprendizagem. Assemelha-se à modalidade sexual e à forma de relação que o
indivíduo mantém com o dinheiro, também como a forma de alimentar-se. Por isso,
a modalidade de aprendizagem é sempre singular e específica.
A Psicopedagogia, buscando a Psicanálise como uma
área de conhecimento transdisciplinar, concorda que a primeira pessoa que
exerce a ensinagem, que transmite um conhecimento para alguém, é aquela que
cuida do bebê e que com ele primeiro se relaciona. Esta pessoa pode ser a
própria mãe ou alguém que exerça a função materna. È este primeiro vínculo que
instaura o espaço transicional que irá possibilitar a ação de aprender. Essa
relação intersubjetiva estabelece um vínculo que permitirá alguém aprender e
ensinar. O vínculo cria uma modalidade de aprendizagem singular, onde há uma
aprendizagem recíproca entre mãe e filho, estabelecendo também uma forma de
ensinagem. A mãe pode aprender com o filho, daí porque posiciona-se no lugar de
quem pode ensiná-lo. Piera Aulagnier chama de “violência primária necessária” o
fato de a mãe precisar pensar pelo seu bebê, nos seus primeiros momentos. Ela
utiliza-se de sua capacidade de pensar para criar uma “fala”, “um desejo” como
sendo o do seu filho. Porém, ela precisa acreditar que o filho também irá
construir sua própria capacidade de pensar e de organizar pensamentos que serão
diferentes dos pensados por ela.
Portanto, a Psicopedagogia, tranversalizada pela Psicanálise, crê que para aprender a pensar necessita-se
de um outro que é, ao mesmo tempo, semelhante e diferente, e que irá dar a
possibilidade ao indivíduo de tornar-se sujeito, pois aquele que ainda não se
constituía como sujeito, para existir como tal, precisa de um outro que lhe dê
esta condição. No entanto, é preciso que o outro reconheça o processo de pensar
desse sujeito, que lhe outorgue o direito de pensar diferente dos outros.
Assim, constituída uma modalidade sadia de aprendizagem, provavelmente esse
ser-sujeito vai se relacionar de modo diferente quanto ao conhecimento, quanto
à maneira de se colocar diante da agressividade, da violência, e de todas as
outras vivências de sua vida, pois construiu uma forma particular de
aprender.
Através do conhecimento da modalidade de
aprendizagem do sujeito, poderemos
introduzir um aparato pedagógico que atenda às necessidades específicas do
aprendente. Tais necessidades específicas é que vão nortear nosso trabalho.
Podemos exemplificar com o caso de uma criança que constantemente manuseie os
objetos a ela apresentados. Isso indica que sua modalidade de aprendizagem a
faz privilegiar o tato como uma forma de entrar em contato com o objeto de
conhecimento. A especificidade da necessidade leva-a a desenvolver uma forma
própria de construir seu conhecimento e chegar ao saber direcionado para o lado
tátil. Portador desse conhecimento, o psicopedagogo como também o professor
usarão atividades que propiciem o ensino das diferentes texturas dos objetos ou
mesmo solicitarão ao aprendente falar como é o seu particular modo de perceber
o mundo, para daí poderem investigar a forma de como este sujeito está
construindo seu conhecimento.
Segundo Pain (1986), as modalidades de aprendizagem
do indivíduo, por sua vez, dependem das modalidades de inteligência. O estudo
dessas modalidades vem da análise realizada por Piaget acerca do movimento de
acomodação e do movimento de assimilação que o sujeito realiza, para
adquirir as primeiras aprendizagens assistemáticas, e que caminharão com ele
até chegar às aprendizagens sistemáticas, cujos aspectos positivos e negativos
dependerão da maneira como as relações vinculares permeiam esse processo. Pain
considera que os referidos movimentos piagetianos, quando perpassados por
vínculos negativos, desenvolvem uma hiper e/ou hipoacomodação, ou uma hiper
e/ou hipoassimilação, que construirão, no sujeito, modalidades de inteligência
patógena.
Com relação às modalidades de inteligência, achamos
interessante para o leitor resumir esta
modalidades, de acordo com a visão de Fernãndez (1991) e Pain (1986) ,
estabelecendo as relações e conseqüências na aprendizagem.
- Hipoassimilação
- Modalidade: pobreza
de contato com
o objeto, esquemas
de objeto empobrecidos.
- Conseqüência: incapacidade de coordenar estes esquemas, défict lúdico e
criativo, prejuízo da
função antecipatória, da imaginação e
da criação.
- Hiperassimilação
- Modalidade: precocidade na internalização dos esquemas representativos,
predomínio do lúdico e da fantasia, subjetivação excessiva.
- Conseqüência: não permite antecipação de transformações, desrealização do
pensamento, resistência aos limites, dificuldade para resignar-se.
- Hipoacomodação
- Modalidade: não respeito
ao ritmo, tempo da criança não
obediência à necessidade de repetição de uma experiência, reduzido contato com
o objeto.
- Conseqüência: déficit na representação
simbólica, dificuldade na internalização das imagens, problemas na aquisição da
linguagem, falta de estimulação, abandono.
- Hiperacomodação
- Modalidade:
superestimação da imitação, reduzido
contato com a subjetividade, falta
de iniciativa, obediência cega às normas, submissão, não dispõe de suas
experiência anteriores.
- Conseqüência: superestimulação da
imitação, falta de iniciativa, obediência acrítica às normas, submissão.
A partir deste esquema sobre as modalidades de inteligência, o sujeito
constrói sua não-aprendizagem, da seguinte forma:
- Hipoassimilação/Hiperacomodação
- Alunos “bonzinhos”, mas não colocam
significados; imitação estereotipada.
- Modalidade dominante na escola
- Hiperassimilação/Hipoacomodação
- Problemas de aprendizagem com
estrutura psicótica ou de Sintoma
- Hipoassimilação/Hipoacomodação
- Não reproduz, não fantasia,
- Inibição Cognitiva
Outro
aspecto que o psicopedagogo deverá considerar: o processo ensino-aprendizagem é
sempre um caminho de via dupla. As modalidades de aprendizagem que interferem
neste processo dizem respeito não exclusivamente ao aprendente, mas também ao
ensinante. Isso nos leva a refletir na nossa própria modalidade de
aprendizagem, uma vez que ela poderá construir uma modalidade de ensinagem
geradora de modalidades de aprendizagem patógenas.
REFERÊNCIAS
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