quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A Psicanálise e a descoberta do Inconsciente: pressupostos para uma Revolução Social e Cultural no Brasil

As primeiras décadas do século XX concatenavam características que posicionavam o Brasil dentro dos chamados tempos modernos. Tempo de movimento, mudanças, novos posicionamentos e também inseguranças. No âmbito internacional, o mundo vivia as mazelas da Primeira Guerra Mundial, que para além de mudanças no campo político, social e econômico, apresentava ao homem, de maneira cruel, sua capacidade destrutiva. Além disso, a industrialização e o capitalismo se firmavam, mas tinham que disputar o palco com as idéias socialistas e, porque não falar, com a prática socialista, implantada pela primeira vez na Rússia, a partir de 1917. Em outras direções, mais transformações, como a Psicanálise, vinda ao mundo pelos estudos e descobertas de Freud, que propagava a existência do inconsciente, para além do consciente e racional, e o homem, como um não senhor de si, na totalidade. Ademais, o campo artístico e cultural fervilhava com novas propostas estéticas de estilos modernistas, tais como o impressionismo, o expressionismo e outros “ismos” que vinham em favor de rompimento, de novas buscas estéticas que refletiam as transformações sofridas e os anseios do homem moderno.
Dentro do Brasil, a situação não pertencia ao âmbito da estabilidade. A maior parte da população ainda se concentrava nos campos, mas as cidades, e especialmente as já maiores, como Rio de Janeiro e São Paulo, cresciam vertiginosamente, já que também as indústrias ofereciam novas possibilidades à população e à economia brasileira. A toda essa complexidade, somava-se a já histórica composição do povo brasileiro. Uma população mista, eclética. Índios, negros, brancos e, posteriormente, amarelos, sua mistura racial, suas respectivas culturas, mescladas ou não, faziam do Brasil um país de singularidade ímpar. Singularidade aliás que, muitos elitistas e políticos, queriam calar, à custa da imposição de um modelo nacional europeizante, embranquecedor e excludente .
Nos centros maiores, e mais especificamente em São Paulo, urbanização e industrialização refletiam os novos tempos. Soma-se a esse contexto, no  meio artístico, um certo inconformismo com o academicismo entre aqueles que se deixavam influenciar pelas idéias modernistas, que aqui ventilavam novas possibilidades de expressão das arte, que defendia a inclusão dos segmentos sociais e suas respectivas culturas, procurando romper com o modelo colonialista e europeizante, pregando  a compreensão e o respeito à singularidade brasileira, bem como buscava estabelecer identidades e diferenças, produzir e reforçar subjetividade, tendo o auxílio da psicanálise. O impulso inicial dado pela Semana de Arte Moderna continuou a ser desenvolvido na arte posterior a ela. Tudo isso diz de criatividade, movimento e manifestação de idéias, sentimentos e desejos. Além disso, não podemos esquecer também que é através do movimento modernista e de muitos de seus artistas que a psicanálise vai adentrando no Brasil.
O discurso psicanalítico reconhecedor da existência de subjetividades, de aspectos que transcendiam ao aparente ou visível, encontrou ressonância nos trópicos brasileiros. Por quê ? Simplesmente porque nas primeiras décadas do século XX,  o contexto internacional e nacional favorecia os questionamentos da velha ordem de coisas, instigava o reconhecimento da complexidade do que de fato podia ser levantado como identificatório do brasileiro, e de uma linguagem nacional. Em meio a um universo aberto e mutável, face a tantos questionamentos e a busca de nossa singularidade, a psicanálise emerge e apresenta-se, neste contexto, como um valioso instrumento, na medida em que destaca a importância de aspectos até então condenados à mediocridade, como por exemplo: a inconstância própria ao sujeito, atormentado por dúvidas e indecisões; a insuficiência da razão para dar conta das questões impostas pela vida; a valorização da esfera sexual na constituição da subjetividade e a retomada do passado como forma de dialetizar com o presente constituindo noções de identidade.
A psicanálise configurou-se uma fonte de pesquisa e reflexão crítica. Seus pressupostos influenciaram a construção de personagens e a própria maneira de escrever dos autores. Um maravilhoso exemplo deste posicionamento pode ser percebido no personagem de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, de Mario de Andrade. Macunaíma, que na linguagem indígena das tribos do norte do Brasil quer dizer “mau grande”, configura-se um anti-herói desde a infância, pois suas características próprias revelam grande intensidade em seus atos, acompanhada de um jogo sensual com as situações da vida, uma “esperteza” peculiar. Assim, as expressões populares foram resgatadas, empreendeu-se uma grande curiosidade acerca da vida do homem comum, numa empreitada que culminou com a valorização das inúmeras faces do sujeito inserido na sociedade.
Diante do até aqui exposto, pode-se dizer que a Psicanálise, além de se oferecer como ferramenta numa transformação social e no deslumbramento da diversidade cultural, própria de uma população marcada pela heterogeneidade racial e de costumes, emprestou seus vocábulos às obras dos escritores modernistas, criando novas formas de expressão de afetos e conflitos. Desta forma, o aspecto cultural foi valorizado através do enfoque na diversidade, dos sentimentos humanos, seus desejos e conflitos. Daí a importância da pré-história do sujeito transfigurada pelo redescobrimento do passado do Brasil, mas que agora  incluso no presente, caracterizado por uma população anterior ou externa à cultura européia, causadora de peculiaridades inerentes ao país.

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