sábado, 23 de abril de 2011

Uma reflexão para a prática educativa em Paulo Freire


Antes de anunciar a presença de Paulo Freire como educador faz-se necessário contextualizá-lo como homem. Diga-se um “percebedor” da realidade por sua condição de pobre, nordestino e brasileiro. Sua luta e presença baseiam-se na categoria “opressão”, principalmente, por ter sido um homem que fez uma leitura concreta do mundo do oprimido, da complexidade da relação oprimido e  opressor, para, finalmente, propor uma pedagogia libertadora que consiste em uma educação voltada para a conscientização da opressão (pedagogia do oprimido) e a conseqüente ação transformadora.



Segundo Andreolla (1997), a categoria “opressão” em Paulo Freire assume dimensões várias. A saber, na dimensão antropológica, mata a cultura do homem, o seu saber enquanto homem (nas palavras de Boaventura Santos, um “epistemicídio”: matar o conhecimento do outro); na dimensão psicológica derruba com o “ser”, o “eu” do homem, permitindo como conseqüência sua coisificação e ou despersonalização; na dimensão ontológica está paralelo à desumanização, enquanto “ser homem” (processo de hominização x cultura necrófila); na dimensão econômica,  a opressão permite que ricos estejam cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres. A ideologia do “ter mais” se concretiza na relação dominador e dominado;  na dimensão política há desenfreadamente a ação do poder central sobre a periferia, isto é, ou são leis que beneficiam e privilegiam alguns, ou são “Medidas provisórias” que retratam um poder autoritário que é cego às necessidades e prioridades de uma grande maioria; e por último a dimensão pedagógica cujo caráter de opressão se estabelece na forma de leis que na prática retrocedem às conquistas e desejos de toda comunidade educativa e também na forma de relação professor e aluno e todas as nuances do sistema de ensino (currículo, prática pedagógica e avaliação). Nestas dimensões a obra, e a vida de Paulo Freire dão uma resposta, apontando caminhos: Ao tratar da pedagogia da “consciência” pretendeu elucidar do educando sua criticidade, criatividade e ação diante do que está dado: é preciso que o oprimido tenha consciência de sua opressão (pedagogia do oprimido). Ao tratar da pedagogia da “pergunta” ele torna-se um sociólogo da sala de aula e reflete a relação professor e aluno enquanto concepção bancária x concepção libertadora, onde o primeiro (como num banco) deposita conhecimentos através da transmissão apenas no segundo e, este o armazena e devolve na prova final.
“O educador faz “depósitos” de conteúdos que devem ser arquivados pelos educandos. Desta maneira a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante. O educador será tanto melhor educador quanto mais conseguir “depositar” nos educandos. Os educandos,  por sua vez, serão tanto melhores educados, quanto mais conseguirem arquivar os depósitos feitos. (Freire, 1983:66)”
Prova, tão logo, que através da “problematização” da realidade, da significação é possível desenvolver uma concepção libertadora na relação professor e aluno e conhecimento e aprendizagem.
“Como situação gnosiológica, em que o objeto cognoscível, em lugar de ser o término do ato cognoscente de um sujeito, é mediatizador de sujeitos cognoscentes, educador, de um lado, educandos, de outro, a educação problematizadora coloca, desde logo, a exigência da superação da contradição educador  x educando. Sem esta, não é possível a relação dialógica, indispensável à cognoscibilidade dos sujeitos cognoscentes, em torno do mesmo objeto cognoscível.” (Freire, 1983:78)
 Entre educador e educandos não há mais uma relação de verticalidade, em que um é o sujeito e o outro objeto. Agora a pedagogia é dialógica, pois ambos são sujeitos do ato cognoscente. É o “aprender ensinando e o ensinar aprendendo”. O diálogo, em Freire, exige um pensar verdadeiro, um pensar crítico. Este não dicotomiza homens e mundo, mas os vê em contínua interação. Como seres inacabados, os homens se fazem e refazem na interação com mundo, objeto de sua práxis transformadora. (Boufleuer, 1991) A prática pedagógica passa a ser uma ação política de troca de concretudes e de transformação.
O que Paulo Freire nos ensina hoje é colocar em prática uma lição que sabemos de cor. Afinal, os cursos de formação de professores tomam conhecimento de sua proposta. Vários estudos e publicações têm mostrado que a proposta de Paulo Freire perpassa tanto o ensino formal como o informal.
Nas análises de currículo, prática pedagógica e avaliação, em nossas escolas, percebe-se uma aplicabilidade de sua proposta. Ou seja, quando analisamos sobre os conteúdos  serem interdisciplinares (politécnicos), fragmentários; quando abordamos a necessidade de união entre teoria e prática enquanto metodologia; e, ainda a democracia enquanto gestão, nós nos damos conta da pedagogia problematizadora de Paulo Freire.
A lição maior como educadores que temos de Freire é a preocupação com o social. A busca de alternativas e propostas devem ser uma constante em nosso dia a dia, no sentido de resgatar o “homem”, o “cidadão” e o “trabalhador” da alienação de seu “ser”, de seu exercício de cidadania e de sua dignidade.
Ainda, como homem de seu tempo, devemos aprender de Freire, a ter presente o nosso tempo sem alienação do real. As proposta pedagógicas devem ser alternativas de “hominização” em contraposição ao processo de relações econômicas, que se definem em alienação do homem e expropriação de seu saber. Segundo Marx (1968), em O Capital, com a venda da força de trabalho, o trabalhador é considerado igual a uma mercadoria, é coisificado na relação de produção, é “apropriado” pelo capital. As relações de produção passam pelos critérios  do capital e não pelos critérios da humanidade. A mercadoria encobre as características sociais do próprio trabalho dos homens. Fernandes explica assim este fetichismo da mercadoria:
“(...)...quanto mais o trabalhador se apropria do mundo exterior, da natureza sensorial, através do seu trabalho, tanto mais ele se priva de meios de vida segundo um duplo aspecto; primeiro que cada vez mais o mundo exterior sensorial cessa de ser um objeto pertencente ao seu trabalho, um meio de vida do seu trabalho; segundo, que cada vez mais cessa de ser meio de vida no sentido imediato, meio para  a subsistência física do trabalhador. (...) apenas como sujeito físico ele é trabalhador.” (Fernandes, 1989)
Finalizando, as categorias diálogo, oprimido, problematização, conscientização, libertação definem o homem político em Paulo Freire. Ou seja:
  1. Sua proposta vai além das críticas das formas educativas atuais, porque define-se em uma pedagogia da consciência: consciência crítica enquanto conhecimento e práxis de classe.
  2. Na escola formal, a pedagogia de Paulo Freire requer um professor problematizador da realidade, pois trata-se da pedagogia da pergunta que requer diretividade.
  3. Através de uma relação dialógica e dialética entre professor e aluno, a proposta pedagógica de Freire, centraliza-se na dimensão do conhecimento, no sentimento de aceitação do outro, da interação, da intersubjetividade.
  4. A revolução necessária para a transformação social que não considera o amor, apenas substituirá o opressor – o oprimido passa a ser o opressor – que continuará a mesma lógica da dominação.
  5. A revolução deve ser entendida como um processo, uma mudança democrática e não apenas como uma ruptura. A revolução é um processo político pedagógico de transformação, que requer reconstrução do poder em novas formas de relação. “A revolução que deve ocorrer é uma grande ação cultural para a liberdade, realizada pelo povo (Freire, 1977).”
  6. A pedagogia do oprimido tem por base o diálogo, necessidade ontológica do ser humano.
  7. Ser utópico, também, é uma exigência ontológica do ser humano, uma exigência histórica.
Esta foi sua luta e, é esta a sua lição.

Docente da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC – Ilhéus, BA - Publicado na Revista Espaço Acadêmico Número 45.

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