quinta-feira, 28 de abril de 2011

PEDAGOGIA, DIVERSIDADE E DIFERENÇA

A diversidade casa bem com a pedagogia, pois ambas compartilham a mesma esteira epistemológica. Ambas se propõem à administração do outro e conformam uma série de estratégias para operacionalizar esta finalidade. O fato é que  muito se fala sobre diferença, mas pouco sobre pedagogia. E muito menos sobre a viabilidade, a possibilidade de criação de uma pedagogia da diferença. Como há vários usos para a palavra diferença, pode-se dizer que cabe aqui uma distinção entre a pretensa pedagogia da diferença e a pedagogia da diversidade.
Segundo Foucault (apud VEIGA-NETO, 2005), a pedagogia foi criada para fazer valer o governamento das crianças a partir de um tronco comum. Entretanto, a diversidade celebra a pluralidade humana como manifestação natural na educação, tendo a tolerância como uma de suas máximas. Assim, a tolerância é um dos rótulos utilizados pela diversidade para efetuar o consentimento de aproximação da autoridade dos limites da norma. Desta forma, só que de uma maneira mais refinada, há uma normalidade como referência. Por isso, pedagogia e diversidade constituem um enlace possível. Tanto uma como a outra caminham juntas, utilizando a norma como uma espécie de maquinário.
Contudo, voltando à suposta pedagogia da diferença, é bom lembrar que a pedagogia, enquanto campo de saber, bem como a escola, enquanto instituição autorizada a efetuar este controle, não são locais de manifestação, muito menos de produção da diferença, mas de encapsulamento dessa diferença, havendo vários dispositivos como: o currículo, a metodologização, a avaliação. Sendo assim, a pedagogia só produz o efeito desejado, exercendo sua função, quando captura os sujeitos, ordenando-os, enquanto que a diferença só é diferença na fuga dessa ordem. Portanto, pedagogia e diferença só existem, para o que delas pretendem, na distância uma da outra. Elas não convivem, pois se processam em campos distintos.
Diante disso, pode-se até dizer que a diferença só é diferença onde a pedagogia não consegue atuar, ou seja, nas linhas de fuga, conforme afirma Deleuze (2004), ou seja, a diferença não é ‘pedagogizável’, sob pena de deixar de ser diferença. E a pedagogia, se deixar de ‘docilizar’ os indivíduos, é qualquer coisa, menos pedagogia. Surge aqui então um questionamento: seria mesmo possível uma pedagogia da diferença?
Acredita-se que a pedagogia da diferença seja, da mesma forma que a pedagogia da diversidade, uma vontade de saber, de familiarizar, de ‘desestranhar’ o estranho. No entanto, segundo Pierucci (1999), ela se traduz numa vontade de solucionar a questão a partir da instrumentalização metodológica, sendo essa mais uma cilada da diferença. A pedagogia da diferença, por melhor intencionada que seja, acaba aproximando-se  muito mais da noção de diversidade do que de diferença, o que atribui-lhe, uma expressão própria de  “pedagogia da diferença”, em si, o que parece ser paradoxal.
Nesse sentido, as faíscas referenciadas no início desse texto, não sejam as faíscas da diferença, mas sim as faíscas do discurso pedagógico, produzidas no duelo da pedagogia com a diferença, visto que ambas são forças discursivas que acabam sempre por embater-se, sendo o  discurso da pedagogia mais forte, uma vez que possui  um aparato de saber que o legitima.
Desse choque, lançam-se faíscas, fragmentos que reluzem, mas que logo se apagam, sendo essa a maneira como a pedagogia da diferença, muitas vezes acaba sendo compreendida: como um estilhaço de luz que, em sua provisoriedade, tentou, mas não deu conta de produzir uma chama que esclarecesse a penumbra que a diferença representa para todos os que lidam com a educação (educadores). O fato é que ainda existem aqueles que pensam de forma iluminista, literalmente. Diante disso, percebe-se a luta em querer-se colar um conceito pós-moderno (diferença) numa escola que foi criada para ser moderna.
Segue-se à procura da “luz”, da “verdade” sobre a diferença. Nesse ponto, volta-se ao lugar de sempre, ou seja,  na busca pelo descortinamento do mistério da diferença ou retorna-se ao início onde há o reencontro de cada um consigo mesmo, frustrados por não ter conseguido encontrar a resposta ou acreditando que encontrou esta verdade, capturando um outro que já não é outro, que é o mesmo, que é semelhante a todos. Nessa direção, torna-se necessário ressaltar o questionamento feito por Gallo (2005, p. 221): “podemos, professores que somos, deliberadamente escaparmos da vetorização metodológica da repetição, da identidade, para produzirmos alteridade, para produzirmos vetores de diferenciação?”
Que esse questionamento possa trazer aos leitores uma série de inquietações, levando-os ao quebrantamento de paradigmas, tendo em vista o crescimento que essa atitude pode trazer em benefício da implementação de uma ‘EDUCAÇÃO PARA TODOS’, que seja ‘INCLUSIVA’, atendendo ao seu objetivo principal: SER DEMOCRÁTICA e JUSTA.
Considerações finais, traços de possíveis recomeços
Desta forma, nessas divagações, sempre provisórias, deve-se continuar pensando sobre educação e diferença. Talvez possa-se usar outras estratégias para aproximar essas duas noções, com a implementação de outros deslocamentos a serem efetuados.
O primeiro a ser sugerido possivelmente, seja a própria noção de educação. Que a ‘Educação’ não seja reduzida à escolarização, não como sinônimo de pedagogia, não como uma educação maior, das políticas neoliberais, como afirma Gallo (2005), ao desterritorializar Deleuze. Mas que seja uma educação menor, do cotidiano, compreendida como educação para a aprendizagem, sendo algo incontrolável, que se processa nas brechas, tal como a diferença.
Para Gallo (2005,p.104), pode até haver métodos para ensinar (eles pelo menos servem para tranqüilizar as consciências perturbadas dos professores), mas não há métodos para aprender.
O fato é que o  método é uma máquina de controle, mas a aprendizagem está para além de qualquer controle; a aprendizagem escapa, sempre. O aprendizado não pode ser circunscrito nos limites de uma aula, da audição de uma conferência, da leitura de um livro; ele ultrapassa todas essas fronteiras, rasga os mapas e pode instaurar múltiplas possibilidades. Assim, segundo alguns autores como Bhabha(1998), Bauman (1999) e Deleuze (2004) , a experiência da aprendizagem e da diferença se dá nesses entre-lugares, interstícios espaços vazios, não-lugares, inter-ser, linhas de fuga. Estes são espaços de negociação das relações culturais, que não passam pelo crivo da norma, que não permitem regras, não sendo portanto,  passíveis de definição de um resultado ou resultados a priori, de sistematizações. Por isso, não podem ser pensadas sob o prisma da pedagogia e da diversidade, ou melhor, da pedagogia da diversidade.
A partir deste mergulho em lugares inseguros, pode-se pensar em educação, aprendizagem e diferença como experiências singulares, únicas e indomáveis. Quem sabe daí se possa pensar num casamento possível, não na tentativa de assimilar ou familiarizar o outro da educação, mas sim de “evitar a polaridade e emergir como os outros de nós mesmos” (BHABHA, 1998, p. 69).
Para tanto, acredita-se que outras faíscas possam ser lançadas, dentre elas: a desnaturalização dos processos de alterização dos sujeitos. Porém, não se trata simplesmente de conhecer o outro, como naquele pilar moderno que fala: “a falta de informação é a mãe do preconceito”. Não se trata de produzir a diferença como objeto de interesse e curiosidade, visto que isso já está sendo feito nos enunciados da diversidade.
O fato é que a informação em si não garante mudanças representacionais, pois conhecer a diferença sempre passa pelo olhar do mesmo, que simplesmente desloca o outro de lugar, mas continua numa confortável posição de normalidade. Por isso, sabe-se que é muito interessante efetuar a mudança de entender como se constroem os sistemas discursivos que produzem estas noções. Afinal, essa desnaturalização não opera somente na diferença, mas no olhar da mesmice.
Nesse sentido, talvez possa ser possível entender que  enquanto professores, como vetores de diferenciação, uma vez que exista o compromisso em  colocar em suspenso as verdades, mantendo-se longe de apontar um caminho milagroso, e consciente de que certas coisas possam ser inegociáveis, acredita-se que talvez, com isso, seja possível desestabilizar representações e dar vazão aos espaços vazios. Certamente, tais espaços não serão “permitidos”, senão seriam qualquer coisa, menos espaços vazios. Eles simplesmente surgem, como acontecimentos, como a própria noção de faísca.
Neste momento, até pode parecer algo fantasioso, dados os inúmeros procedimentos de regulação contemporâneos, mas como bem afirma Gallo (2005, p. 99):  “já houve momentos na história da humanidade em que parecia loucura lançar-se aos mares, em busca de terra firme para além do continente europeu, ou então se lançar ao espaço, almejando a Lua e as estrelas...”
Sendo assim, considera-se aqui que a busca pela verdade sobre a diferença, as formas de trabalho pedagógico com a diferença, uma pedagogia da diferença é um trajeto circular, um giro de 360°, que desemboca na mesmice. A tentativa de entendimento da diferença em sua dimensão política, histórica e cultural , acaba sendo  um labirinto com múltiplas possibilidades de trajeto e nenhuma saída segura. A pergunta agora é: quem está disposto a encarar esse DESAFIO de superar o labirinto em busca de uma saída, seja ela qual for?
Fica aqui a proposta de reflexão a todos os leitores e educadores interessados numa MUDANÇA ‘na’ e ‘para’ EDUCAÇÃO do século XXI, que buscam uma Pedagogia diferenciada, ou uma Pedagogia da Diferença, ou ainda, uma forma diferenciada de PEDAGOGIZAR!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BAUMAN, Z. O mal estar da pós-modernidade. Rio de janeiro: Zahar, 1999.
BHABHA, H. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
DELEUZE, G. & GUATTARI, F. Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia. Vol. I. São Paulo: Ed. 34. 2004.
GALLO, S. Sob o signo da diferença: em torno de uma educação para a singularidade. In: SILVEIRA, R. M. H. (Org.) Cultura, poder e educação: um debate sobre os estudos culturais. Canoas: Ed. ULBRA, 2005.
_______. Deleuze & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
PIERUCCI, A. F. Ciladas da diferença. São Paulo: Ed. 34, 1999.
Ms. LUCIENE MARTINS TANAKA

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