sexta-feira, 23 de março de 2012

AS CONTRIBUIÇÕES DA CLÍNICA PSICANALÍTICA AO ATENDIMENTO DA CRIANÇA e do ADOLESCENTE

 A Clínica Psicanalítica teve muitas mudanças com o passar dos tempos, porém, a condição que permaneceu imutável para uma análise, foi o vínculo de confiança entre analista e cliente ou ‘paciente’. O setting proposto por Freud foi readequado para atender às demandas de cada paciente e também de cada período histórico. Antes era uma exigência "sine qua nom" atender o paciente deitado no divã sem que os olhares pudessem se cruzar. Hoje, dependendo do paciente, o olhar deve estar presente, dando um sentimento de segurança e amparo onde o paciente sinta-se acolhido para falar. A partir de Winnicott, a relação estabelecida na clínica psicanalítica passa a ser de proporcionar um ambiente facilitador, nos moldes da primeira relação mãe-bebê, para o cliente. Podemos pensar que a relação estabelecida na clínica pode ser um protótipo, um simulacro, de todas as outras relações que se seguirão, e que, quando é suficientemente boa, traz uma relação de confiança que permanece na adolescência e na vida adulta. Tais relações criam um diálogo e uma escuta do outro que passa a ser seu fundamento; mas quando não é adequada pode trazer alguns sofrimentos psíquicos. Pensando sobre a adolescência, esta fase pode ser vista como um indicador de mudança de setting. O presente trabalho traz uma perspectiva clínica de uma paciente de 15 anos que não conseguia falar com as pessoas, que não tinha um lugar para falar, que não tinha quem a escutasse. O atendimento para ela passou a ser o ambiente facilitador para que ela pudesse, pela primeira vez, experimentar falar de si e assim ser vista.
Surgem assim alguns questionamentos como:
O que a clínica psicanalítica pode oferecer de diferente das outras conversas cotidianas?
Por que se faz necessário hoje o atendimento clínico com adolescentes?

O que a clínica pode trazer de positivo para essas pessoas que buscam a análise?
Estas perguntas  levaram me a escrever o presente relato, propondo aos leitores algumas reflexões acerca dessas questões levantadas. Diferente (ou ao menos, que seja, diferente em uma primeira análise) do atendimento com adultos, o adolescente não é ainda um ser humano formado, concreto, com uma identidade, ou ainda, não possui uma noção de si mesmo, que abarque boa parte do "eu".  Somente neste parágrafo  poder-se perceber alguns  problemas teóricos com as mais diferentes vertentes dentro da própria psicanálise. Por exemplo, Winnicott irá dizer de um processo de desenvolvimento que o adolescente está bem no auge, antes de se tornar um adulto, portanto, ainda não tem uma identidade estabelecida. Já para Lacan existe uma estrutura psíquica que já está muito bem formatada, uma vez que supõe-se saber como o sujeito reage à castração, em outras palavras, como é a relação do sujeito com a Lei.
 Há ainda uma terceira teoria, que pode aqui ser descrita, de forma simplista e superficial, que é a da esquizoanálise, que trabalha um sujeito sempre em "devir", que não necessariamente terá uma identidade fixa, muito menos uma estruturação fixa, mas que está numa constante construção, processo de mudança.O fato é que,  o adolescente , o adulto ou ainda uma criança que começa a ter uma relação consigo mesma e com os outros, todos estes,  estão presos em processos de identificações com os outros. Não se pretende afirmar que se trata apenas de uma identificação que aliena a pessoa ‘dela mesma’. Como  exemplo disso, pode-se citar os adolescentes com os grupos que participam, ou as crianças que são alienadas de si mesmas, conseguindo "apenas" corresponder ao desejo dos pais. Portanto, é nesse momento do relato que se pretende mostrar ao leitor outra via de acesso ao íntimo do individuo, ou seja, através da via da clínica psicanalítica.
 O conceito de identidade deve estar ligado com uma identificação a alguém. Uma pessoa que se identifica como trabalhador, como estudante, como marido, como mulher, como filho, na realidade apenas consegue se identificar em uma relação com outro. Compreenda-se este outro, muito mais que alguém, muito mais que uma pessoa, como alguma coisa que diga sobre o sujeito, por exemplo, uma pessoa que tem muito dinheiro pode até ser identificado como rico, sem precisar de pessoas pobres para identificar-se com esta posição que lhe é atribuída e da qual ele  acaba tomando posse. É nesse aspecto que o ‘Outro’, então, deixa de ser uma pessoa, um sujeito,  passando a ter o valor de um ‘mero’ objeto. Nesse sentido, pode-se afirmar que a’ Identidade’ passa a ser um conceito de identificação objetal,  baseado na relação que uma pessoa estabelece com este ‘objeto’.
A experiência clínica, mostra numa última análise, que o conceito de identidade na verdade mora na relação de uma pessoa consigo mesma. Sendo assim, o que ocorre é que o ‘objeto’ último de comparação, nunca é outro, que não o próprio sujeito. Diante disso, acredita-se que a  adolescência possa ser marcada por alguém, que não tenha outras formas de relação consigo mesma, que não aquelas que lhe foram apresentadas até então. Pode-se até  pensar que não há uma identidade no adolescente, visto que ele ainda não estabeleceu uma relação consigo mesmo que seja ‘própria’ dele.
 De maneira mais sintetizada e clara, considera-se que uma criança está sempre respondendo ao desejo dos pais, ainda que sua resposta seja "inadequada", ou seja, mesmo que ela faça o que ‘ela’ querer, corre o risco de ouvir de seus pais "não faça isso que mamãe fica triste"ou ainda- "não faça aquilo porque papai não gosta". Há aqui um sujeito na posição de objeto de outro sujeito que vem de fora, que lhe é externo. Os adultos possuem a capacidade de serem diferentes, uma vez que conseguem manifestar o desejo por alguma coisa, fazer o que desejam, realizando seus sonhos. Portanto, diferentemente das crianças, os adultos possuem em suas mãos a chave para realizar o que quiserem. Já as crianças, ainda dependem dos pais para que possam executar muitas de suas tarefas ou desejos. Para que um adulto faça um bolo, basta trabalhar, ter dinheiro, ir ao mercado, comprar os ingredientes e fazer o bolo. Por outro lado,  criança dependerá de um adulto que faça tudo isso por ela, para que ela sinta-se satisfeita.
 Mas e o adolescente?
 Nesse processo, pode-se dizer que o adolescente está entre uma coisa e outra.  O fato é que ele ainda não sabe de suas possibilidades,  pois até então, ‘outros’ faziam tudo por ele como: desejavam, falavam, nomeavam tudo em sua vida. Entretanto, de alguma forma, os adolescentes encontram nos ‘grupos’ um simulacro, onde podem realizar, o que pela primeira vez , parecia ser  impossível, ou seja, buscam  ser uma outra pessoa, que não ‘aqueles’  filhos pertencentes a tal pai ou tal mãe.
 Aí entra a contribuição da clínica psicanalítica, independente de estruturação psíquica, conceito de identidade ou identificação, dentro da relação entre analista e analisante. O fato é que surge uma possibilidade de nascimento e desenvolvimento de um sujeito diferente, mas dessa vez mediado por ‘ele’ mesmo! Ressalta-se aqui que algumas pessoas podem até pensar  que a palavra ‘correta’  seria: ‘O analista’- ou analisante. Contudo, a proposta desse tipo de intervenção clínica ou ‘TERAPIA’  psicanalítica é justamente o contrário do que muitos imaginam, isto é, busca-se oportunizar ao analisado a posição de seu próprio ‘analista’. Para melhor compreensão do leitor, o que é proposto na clínica psicanalítica, é que o adolescente tenha a oportunidade de aprender mais sobre si, entrando em contato consigo mesmo, encontrando dentro de si todos os recursos necessários para superar suas dificuldades de relacionamento, traumas, dentre outros problemas que podem ser desencadeados nessa fase da vida. A tarefa do terapeuta, portanto, é a de facilitador ou mediador nessa trajetória ou transição, onde o adolescente passará de ‘percepções sentidas’ para ‘novas perspectivas’, sem ter que necessariamente, reviver as ‘dores’ sentidas e percebidas pelo sistema límbico. Como exemplo de casos clínicos com adolescentes, mais comum do que imagina-se, é o de jovens adolescentes que falam tudo sobre os irmãos, pai, mãe e de quase todas as relações que acreditam que tiveram em suas vidas. Entretanto, observa-se  que embora  falem de muitas pessoas, na verdade falam de si mesmos. Claro que para os analistas isto é óbvio, mas o impressionante, contudo, acaba sendo os diversos tipos de  respostas  que parecem todas voltarem-se para: "É que tem muito deles em mim". Esse pode ser o momento exato de uma proposta, um convite à reflexão, quando o analista/ terapeuta questiona: - E quem é você?
A resposta a esta pergunta marca a diferença entre a criança, o adulto e o adolescente. Enquanto um é o filho(a) de seus pais, o adulto é alguém, o adolescente simplesmente não sabe nada de si mesmo. Claro que podem ocorrer alterações, que acabam influenciando no processo todo.  Mas o fato é que em geral o adulto sabe sobre si, mas tem algumas lacunas, dúvidas ou impressão de ser algo mais do que é (um saber que não se sabe)- por isso ele busca no analista um direcionamento que lhe aponte o que sabe sobre o analisante. Já a criança, por outro lado,  tem a certeza do que é, mesmo que não seja absolutamente nada,  além de ser uma criança, mesmo que não seja nada além de seu nome, o fato é que ela ‘sabe’ e ‘pronto’. Sabe também a criança, que o ‘ser’ não é tão importante quanto o que ela ‘será’. Por outro lado,  o adolescente mora na etapa do deixar de ser criança, deixar o "será" de lado, para ser de fato aquilo que ele aspira para ele mesmo. É neste momento que surge o conflito de interesses entre o ‘desejo dos pais’ e o ‘seu próprio desejo’. Esse conflito entre o desejo dos outros para ele e o perigo de bancar o seu próprio desejo, pode levá-lo até às últimas consequências, ou seja, a um conflito de identificação e identidade. O conflito na verdade entre deixar de ser para quem até então ele era filho, para tornar-se a ser alguém para ele mesmo, isto é,  um ‘Sujeito’, um ‘Adulto’.
ALGUMAS CONSDERAÇÕES SOBRE O ASSUNTO:
Além do até aqui exposto, como uma última observação sobre as contribuições do atendimento e intervenções do terapeuta da clínica psicanalítica, pode-se ressaltar a  possibilidade de construção de uma trajetória diferente, através da fala, onde o adolescente  engaja-se de si mesmo, descobrindo-se, analisando-se e aos poucos,  escolhendo ‘como’ e ‘o que’ ele quer Ser. Não é o trabalho apenas de associação livre, mas a ‘arte’ de escutar e desenvolver com o adolescente, através de suas próprias palavras, como num jogo ou brincadeira de palavras, onde o que o analista devolverá será a palavra do próprio adolescente, mas dessa vez, com o’ peso’ de um ‘outro’, de alguém de fora, que nesta etapa da vida ainda é muito importante, sendo de grande relevância. Assim, considera-se que a clínica psicanalítica, em última análise, é a mesma com adultos e adolescentes, visto que ambos brincam com as palavras,  descobrem-se no discurso de alguém que ocupa um lugar de "suposto saber". O fato é que tanto os adultos quanto os adolescentes, através do trabalho analítico, acabam entrando em contato com alguém dentro de si mesmo. E  por que não dizer de outra forma: ‘ambos’ entram em contato com quem eles são de verdade e descobrem que independente de quem sejam, sempre haverá outras possibilidades de ‘Ser’, ‘Estar’, ‘Sentir’, ‘Perceber’ e sobretudo de ‘Ver’ a si mesmo, bem como a tudo que o cerca sob uma nova ‘perspectiva’. Sendo assim, o indivíduo aprende sem perceber a : observar mais; escutar mais; imaginar mais; sentir mais e o mais importante a transformar suas experiências em perspectivas diferentes de ‘olhar’ e do ‘olhar’. É o abrir-se ao novo; permitir-se ser o que é; estar no aqui e agora, na certeza de que somos todos ‘perfeitamente’...’imperfeitos’. É justamente essa ‘inconclusão’ que faz de nós ‘seres em desenvolvimento’.


REFERÊNCIAS :
LEVY, R. O infantil na Psicanálise. São Paulo: Vozes. 2008.
OUTEIRAL, J. Clínica psicanalítica de crianças e adolescentes. São Paulo: Revinter. 2005.
SANDLER, J. Técnica da Psicanálise Infantil. Porto Alegre: Artmed. 1990.

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